PORQUE SOU UM CONTINUÍSTA
Sam
Storms*
Então, por que sou um continuísta? As minhas razões são as seguintes.
(Por favor note que eu escrevi vários artigos que fornecem uma evidência mais
extensa para os pontos que apresento, mas devido às limitações de espaço,
permita-me apenas mencioná-los. Todos esses artigos podem ser encontrados no
meu site.)
Deixe-me começar pela presença em todo o Novo Testamento (NT) de uma
forma consistente, generalizada e completamente positiva de todos os dons
espirituais. Os problemas que surgiram na igreja de Corinto não foram causados
por dons espirituais, mas sim por pessoas imaturas. Não foram os dons de Deus,
mas sim a distorção infantil, ambiciosa e orgulhosa desses dons por parte de
alguns que deram origem aos comentários corretivos de Paulo.Além disso, a
partir de Pentecostes e continuando ao longo do livro de Atos, quando o
Espírito é derramado sobre os novos crentes estes experimentam os seus dons.
Não há nada que indique que estes acontecimentos eram restritos apenas a eles e
àquele tempo. Esse fato parece ser do conhecimento geral na igreja do Novo
Testamento. Cristãos em Roma (Romanos 12), Corinto (1Coríntios 12-14), Samaria
(Atos 8), Cesareia (Atos 10), Antioquia (Atos 13), Éfeso (Atos 19), Tessalônica
(1Tessalonicenses 5) e Galácia (Gálatas 3) vivenciaram os dons miraculosos e
reveladores. É difícil imaginar como os autores do NT poderiam ter falado mais
claramente sobre como a aparência da nova aliança do cristianismo deveria ser.
Em outras palavras, o ónus da prova recai sobre o cessacionista. Se alguns dons
de uma classe especial cessaram, é da sua responsabilidade prová-lo.
Extensa evidência
Eu gostaria de referir igualmente a extensa evidência no NT dos chamados
dons milagrosos entre os cristãos que não são apóstolos. Em outras palavras,
muitos homens e mulheres não-apostólicos, jovens e velhos, por toda a extensão
do Império Romano consistentemente exerceram esses dons do Espírito (e Estevão
e Filipe ministraram no poder de sinais e maravilhas). Outros que não eram
apóstolos mas exerceram dons milagrosos incluem (1) os 70 que foram enviados em
Lucas 10.9, 19-20; (2) pelo menos 108 pessoas entre os 120 que estavam reunidos
no cenáculo no dia de Pentecostes; (3) Estevão (Atos 6-7); (4) Filipe (Atos 8);
(5) Ananias (Atos 9); (6) os membros da igreja em Antioquia (Atos 13); (7)
convertidos anônimos em Éfeso (Atos 19.6); (8) As mulheres em Cesareia (Atos
21.8-9); (9) os irmãos sem nome de Gálatas 3.5; (10) os crentes em Roma
(Romanos 12.6-8); (11) crentes de Corinto (1Coríntios 12-14).; e (12) os
cristãos de Tessalônica (1Tessalonicenses 5.19-20).
Devemos também considerar o propósito explícito e muitas vezes repetido
dos dons do Espírito, a saber, a edificação do corpo de Cristo (1Coríntos 12.7;
14.3, 26) Nada do que eu li no NT ou observo na condição da igreja em qualquer
época, passada ou presente, me leva a crer que já ultrapassamos a necessidade
de edificação e, portanto, estarmos libertos da necessária contribuição desses
dons. Admito que os dons espirituais foram fundamentais para o nascimento da
igreja, mas porque motivo seriam eles menos importantes ou necessários para o
seu contínuo crescimento e amadurecimento?
Há também uma continuidade fundamental ou uma relação espiritualmente
orgânica entre a igreja em Atos e a Igreja nos séculos posteriores. Ninguém
nega que houve uma época ou período na igreja primitiva que poderíamos chamar
de “apostólico”. Temos de reconhecer a importância da presença pessoal e física
dos apóstolos e o seu papel único no estabelecimento dos fundamentos da igreja
primitiva. Mas em nenhum lugar do NT é sugerido que certos dons espirituais
estavam única e exclusivamente associados a eles ou que esses dons cessariam
com a sua morte. A igreja universal ou corpo de Cristo que foi criada e
dotada através do ministério dos apóstolos é a mesma igreja universal e o mesmo
corpo de Cristo hoje. Estamos juntos com Paulo, Pedro, Silas, Lídia, Priscila e
Lucas, membros do mesmo corpo de Cristo.
Muito relacionado com o ponto anterior é aquilo que Pedro diz em Atos 2
sobre os chamados dons miraculosos, como sendo característicos da nova aliança
da igreja. Como D.A. Carson disse: “A vinda do Espírito não está apenas
associada ao alvorecer dessa nova era, mas com a sua presença, não apenas com o
dia de Pentecostes, mas com todo o período entre Pentecostes e o retorno de
Jesus, o Messias” (A Manifestação do Espírito, 155). Ou ainda, os dons de
profecia e línguas (Atos 2) não são retratados como meramente inaugurais da era
da nova aliança, mas como característicos dela (e não nos esqueçamos de que a
presente era da igreja = os “últimos dias”).
Devemos também prestar atenção a 1Coríntios 13.8-12. Aqui, Paulo afirma
que os dons espirituais não vão “passar” (v. 8-10), até à chegada do
“perfeito”. Se o “perfeito” é de fato a consumação dos propósitos redentores de
Deus expressos no novo céu e nova terra após o retorno de Cristo, podemos
confiantemente aguardar que ele continue a abençoar e a capacitar a sua igreja
com os dons até esse momento chegar.
Uma ideia semelhante é dada em Efésios 4.11-13. Ali Paulo fala de dons
espirituais (juntamente com o ofício de apóstolo) e, em especial, os dons de profecia,
evangelismo, pastor e professor — como sendo edificantes para a igreja “até que
todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão
perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (v. 13). Já que este último
estado não foi ainda seguramente atingido pela igreja, podemos confiantemente
prever a presença e o poder de tais dons até que esse dia chegue.
Eu também argumentaria, com a ausência de qualquer noção explícita ou
implícita, que deveríamos olhar para os dons espirituais de forma diferente do
que fazemos com outras práticas e ministérios do NT, retratados como essenciais
para a vida e o bem-estar da igreja. Quando lemos o Novo Testamento, parece
evidente que a disciplina eclesiástica deve ser praticada nas nossas assembleias
de hoje e que devemos celebrar a Ceia e a Água do batismo do Senhor, e que os
requisitos para o cargo de ancião conforme estabelecido nas epístolas pastorais
ainda determinam como a vida na igreja deve ser conduzida, só para mencionar
alguns pontos. Que boas razões exegéticas ou teológicas podem ser dadas para
que tratemos a presença e a operação dos dons espirituais de forma diferente?
Testemunho consistente
Ao contrário da crença popular, há um testemunho consistente ao longo da
história da Igreja a respeito da operação dos dons miraculosos do Espírito. Não
sucedeu simplesmente que os dons tenham cessado ou desaparecido da vida da
igreja primitiva após a morte do último apóstolo. O espaço não me permite citar
a evidência massiva a este respeito, pelo que lhes recomendo quatro artigos que
escrevi com extensa documentação (ver “Spiritual Gifts in Church History”
[Dons espirituais ao longo da história da Igreja]).
Os cessacionistas argumentam frequentemente que sinais e maravilhas bem
como certos dons espirituais serviram apenas para confirmar ou autenticar o
original grupo de apóstolos e que, quando esses apóstolos morreram, logo
cessaram também os dons. O fato é que nenhum texto bíblico (nem mesmo Hebreus
2.4 ou 2Coríntios 12.12) alguma vez nos diz que sinais e maravilhas e dons
espirituais de um tipo particular serviram para autenticar os apóstolos. Sinais
e maravilhas autenticaram Jesus e também a mensagem apostólica sobre ele. Se
esses sinais e maravilhas foram concebidos exclusivamente para autenticar
apóstolos, então não temos qualquer explicação em relação a que crentes
não-apostólicos (como Filipe e Estevão) tenham sido capacitados para os realizar
(ver especialmente 1Coríntios 12.8-10, onde o “dom” de “milagres”, entre
outros, foi dado a crentes não-apostólicos, normais).
Portanto, essa é uma boa razão para ser um cessacionista mas apenas se
você conseguir demonstrar que a autenticação ou atestado da mensagem apostólica
era a finalidade única e exclusiva de tais manifestações do poder divino. No
entanto, em nenhum lugar do NT o propósito ou a função dos milagres ou dos dons
do Espírito são reduzidos a atestados de validade. Os milagres, em qualquer uma
das suas formas, serviram finalidades distintas e diversas: doxológicas (glorificar
a Deus: João 2.11, 9.03, 11>04, 40; Mateus 15.29-31); evangelísticas (para
preparar o caminho para que o evangelho fosse conhecido: veja Atos 9.32-43); pastorais (como
uma expressão de compaixão, amor e cuidado com as ovelhas: Mateus 14.14; Marcos
1.40-41); e edificantes (para edificar e fortalecer os
crentes: 1Coríntios 12:7 e o “bem comum”, 1Coríntios 14.3-5, 26).
Todos os dons do Espírito, fossem línguas ou ensino, profecia ou
misericórdia, cura ou ajuda, foram dados (entre outros motivos) para a
edificação, construção, incentivo, instrução, consolo e santificação do corpo
de Cristo. Portanto, mesmo se o ministério de autenticar e atestar os dons
miraculosos tivesse cessado, um ponto que concedo apenas para prosseguir o
raciocínio, tais dons continuariam a funcionar na igreja pelos outros motivos
citados.
Ainda final e suficiente
Talvez a objeção ouvida mais frequentemente por parte dos cessacionistas
é que reconhecer a validade dos dons de revelação, como a profecia e a palavra
do conhecimento/ciência, necessariamente enfraqueceria a finalidade e a
suficiência das Sagradas Escrituras. Mas esse argumento é baseado na falsa
suposição de que estes dons nos fornecem verdades infalíveis iguais em
autoridade ao próprio texto bíblico (ver o meu artigo “Why NT Prophecy Does NOT Result in
‘Scripture-Quality’ Revelatory Words” [Por que a profecia do Novo
Testamento não resulta em revelação verbal com a mesma autoridade das Escrituras
Sagradas]).
Também ouvimos o apelo cessacionista a Efésios 2.20, como se esse texto
descrevesse todos os possíveis ministérios proféticos. O argumento é que dons
de revelação como a profecia foram exclusivamente associados aos apóstolos e,
portanto, projetados para funcionar apenas durante o chamado período de
fundação na igreja primitiva. Dirijo-me de forma profunda a este ponto de vista
fundamentalmente equivocado aqui. Um exame atento às evidências bíblicas a
respeito tanto à natureza do dom profético quanto à sua distribuição
generalizada entre os cristãos, indica que havia algo muito superior nesse dom
ao simples capacitar os apóstolos para estabelecer os alicerces da igreja.
Portanto, nem a morte dos apóstolos nem o movimento da igreja após os seus anos
de fundação tem qualquer influência sobre a validade do dom de profecia hoje.
Também se ouve muitas vezes o chamado argumento conjunto, segundo o qual os
fenômenos sobrenaturais e miraculosos foram supostamente concentrados ou
agrupados em períodos únicos na história da redenção. Eu já abordei esse
argumento noutro lugar e demonstrei que é completamente falso.
Finalmente, e embora não seja tecnicamente uma razão ou argumento para
ser um continuista, não posso ignorar a minha experiência. O fato é que eu vi
todos os dons espirituais em operação, os testei e confirmei, e os vivi em
primeira mão em inúmeras ocasiões. Como foi dito, esse é não tanto um motivo
para alguém se tornar um continuísta, mas mais uma confirmação (embora não
infalível) da validade dessa decisão. A experiência, quando isolada do texto
bíblico, pouco prova. Mas a experiência deve ser levada em consideração,
especialmente se ela ilustra ou encarna o que vemos na Palavra de Deus.
* Sam Storms
é pastor principal para o ministério de pregação e visão na Bridgeway Church em
Oklahoma City, Oklahoma.
FONTE: http://voltemosaoevangelho.com/blog/2017/01/por-que-sou-um-continuista/
Acesso em 04/02/2017.