PÚBLICO, PRIVADO E DESPOTISMO
Gilson Soares dos Santos
1 – Os
Termos: Ditador, Tirano e Déspota
a)
Empregamos
como sinônimos;
b)
Porém
essas palavras reenviam a conceitos diferentes;
c)
Esses
conceitos dependem do contexto histórico.
2 –
Como eram usados os termos Ditador, Tirano e Déspota em suas origens
a) O Ditador (Na República Romana):
- Membro
do patriciado romano;
- Chamado
pelo senado para resolver um problema determinado, por um tempo determinado.
Isso em momento de convulsão política.
- Não
governa sobre tudo;
- Não
permanece no poder pelo tempo que quiser;
- Sua
função é temporária.
b) O Tirano (na política grega):
- Chamado
pelo povo para salvá-lo em um momento de crise;
- Ainda
que seu governo suspenda as leis antigas e crie novas leis
c) O Déspota (na sociedade e política gregas)
- O
que é família nesse contexto? São relações:
- É
Senhor absoluto de suas propriedades móveis e imóveis;
- É
autor único das normas e regras que regem a vida familiar;
- Aristóteles
diz que onde houver cidadãos livres não pode haver déspota. Onde houver déspota
não há cidadãos livres.
- Onde
houver espaço público e vida pública não pode haver poder despótico;
- O
despotismo pertence ao espaço privado, à vida privada.
- A
autoridade despótica torna-se ilegítima ao ser deslocada para o espaço público;
- O
que é legítimo no espaço privado é ilegítimo no espaço público;
Por isso, Aristóteles
faz a diferença entre a cidade (esfera pública) e a família (esfera privada).
a)
Diferença
entre despotismo e poder público
·
Poder
público: Pressupõe e repõe a liberdade dos cidadãos;
·
Poder
despótico: Está na vontade arbitrária do senhor.
4 – Se
Tirano, Ditador e Déspota são figuras políticas determinadas, com contexto
próprio e história própria, de onde vem que em nosso vocabulário os três termos
sejam empregados como sinônimos?
Marilena
Chauí busca mostrar como estes três termos chegaram até nós como sinônimos:
a) Três motivos determinaram essa diferença vocabular na
nossa linguagem
- Aristóteles mostra que a monarquia absoluta, a tirania
sem consentimento dos sujeitos e com leis arbitrárias, também são regimes
despóticos.
- As teorias modernas da tirania e da ditadura consideram
que:
·
O
ditador se conserva ilimitadamente no poder
·
Ambos
se tornam déspota.
- Montesquieu é o principal responsável por essa
identificação dos termos ao apresentar a seguinte classificação:
·
Monarquia
(Constitucional e não absoluta);
·
República
(Pode ser aristocrática ou democrática);
·
Despotismo
(Regime onde impera a vontade arbitrária dos governantes. Seu princípio é o
medo, pois nele a virtude não é necessária, e a honra é perigosa, pois cria
rivais).
$ Para Aristóteles,
Monarquia e despotismo são espécie de um mesmo gênero.
$ Para Montesquieu são
dois regimes diferentes.
A descrição de Montesquieu
foi tão poderosa que se consolidou na história do pensamento político.
5 –
Marilena Chauí vai descrever como o despotismo foi entendido por diversos
pensadores, filósofos e políticos.
- O
despotismo é a primeira forma de vida ético-política, algo instintivo para
unificar o disperso sob uma única autoridade.
- Por
outro lado, o movimento da história ético-política é também o caminho da
efetuação da liberdade, por isso quando um só é livre, há despotismo;
- Quando
alguns são livres, há aristocracia.
- Quando
todos são livres, há regime misto sob a forma de monarquia
constitucional.
- O
despotismo é a forma política mais fraca, o grau zero da política ou sua
anulação.
- Para
Espinosa, do herói fundador só se pode esperar tirania.
- Um
Estado nascido da ação de um déspota será despótico para sempre.
- Espinosa
vai ser o único a formular uma idéia que terá vida longa pela frente. Para
resguardar a república contra o despotismo é preciso:
·
O
governante nunca deve ficar só, mas deve governar num sistema de rede de
assembléias eletivas.
·
O
cargo deve sempre ser preenchido por sufrágio popular.
- A
natureza humana é movida por paixões e interesses;
- O
despotismo é o governo dos interesses de um só ou de poucos.
“Em
linhas muito gerais, esse foi o quadro de pensamento elaborado pela modernidade
e que, hoje, parece estar em crise, a "crise" dos valores não sendo
apenas moral, mas também política.”
Se
quiséssemos resumir conceitos e procedimentos teóricos desenvolvidos pela
modernidade (apos o fim do Antigo Regime) para cercar e combater o despotismo,
poderíamos, tentativamente, assinalar os seguintes:
1.
Ruptura
com a idéia de comunidade (una, indivisa, corporificada no dirigente) e
passagem a idéia de sociedade (originariamente dividida em interesses
conflitantes, em classes antagônicas, em grupos diversificados), desprovida de
centro e de identidade, mas constituindo a esfera privada (como sociedade
civil, como sociedade burguesa, como sociedade de mercado) com aspiração à
esfera publica (do poder e dos direitos sociais, cívicos e políticos);
2.
Ruptura
com a idéia e a pratica teológico-política do poder político enquanto poder
encarnado na pessoa do dirigente e passagem a idéia da dominação impessoal
(Marx) ou da dominação racional (Weber) e das instituições públicas como
conjunto regulador, controlador e fiscalizador da ação política, isto é,
nascimento da idéia moderna de Estado;
3.
Distinção
entre a esfera privada dos interesses, das paixões, vícios e virtudes e a
esfera publica impessoal das leis como campo simbólico da vontade geral e dos
direitos;
4.
Passagem
da idéia medieval e romântica da Constituição como caráter e espírito de um
povo ou de uma nação à idéia de constituição como lei maior que regula o espaço
público;
5.
Percurso
feito da idéia e da instituição da republica representativa a idéia e a
instituição da democracia representativa (ou democracia formal, como dizia
Marx), isto e, da república oligárquica censitária a democracia baseada no
sufrágio e no igual direito de todos os cidadãos de ocupar os cargos públicos
de direção;
6.
Surgimento
da idéia de opinião publica como reflexão que um indivíduo ou um grupo de
indivíduos realiza a propósito de seus interesses e direitos e a expõe
livremente em publico quando os sente lesados ou prejudicados pelo poder
público ou por outros grupos sociais.
O percurso que fizemos ate aqui permite perceber que o déspota (enquanto tirano) não aparece sempre da mesma maneira.
O déspota só e capaz de um tipo de relação social e política, a do senhor e o servo. Ele não e tanto a vontade arbitrária e sem lei, mas a presença de um regime - o despotismo - que, mesmo com leis, concretiza uma única forma de relação social e política, cuja marca e a realização da liberdade (de um só) pela servidão (de todos os outros).
ETICA/ Organização Adauto Morais. - São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. P. 505-542